domingo, 15 de setembro de 2013

Coragem




Coragem

É preciso arranjar outros
motivos
outras flores e astros

Outras abertas

Entre a chuva cansada de um Outono
que não sabe já
qual é a terra certa

É preciso pensar outras imagens
outras fissuras, sítios
e cidades

Pôr fim ao lamento deste vento
tentar tirar ao anjo
a túnica e o sabre

É preciso inventar outras paisagens
outros montes e águas
outras margens

Abrir e expor o coração
e finalmente deixar
correr as lágrimas.

Maria Teresa Horta 

Nem navio nem sombra de nuvem no mar





Nem navio nem sombra de nuvem no mar
para um adeus da largada...

Esta saudade infinita
é uma ilusão que se disfarça.
Grita
que a dor passa!
- Saudade é voz ancorada...

Jorge Barbosa

A chuva,





A chuva, outra vez sobre as oliveiras.
Não sei por que voltou esta tarde
Se minha mãe já se foi embora,
Já não vem à varanda para a ver cair,
Já não levanta os olhos da costura
Para perguntar: Ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
A chuva sobre o teu rosto.

Eugénio de Andrade

Senhora Da Manhã Vitoriosa




Senhora Da Manhã Vitoriosa

Senhora da manhã vitoriosa
E também do crepúsculo vencido,
Ó Senhora da noite misteriosa
Por quem acordo, nas trevas, confundido.

Perfil de luz! Imagem religiosa!
Ó dor de amor! Ó sol e luar dorido!
Corpo, que é alma escrava e dolorosa,
Alma, que é corpo e redimedo.
Mulher perfeita em sonho e realidade.

Aparição divina da Saudade...
Ó Eva, toda em flor e deslumbrada!
Casamento da lágrima e do riso;
O céu e a terra, o inferno e o paraíso,
Beijo rezado e oração beijada.

Teixeira de Pascoais (

Rosas e Cantigas




Rosas e Cantigas

Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.

Afonso Duarte

Recordação


Recordação

Eu bem sei
Que rodo em muitas esferas
E não sei
Por onde me levas, poesia.
Quando vou,
E não encontro ninguém,
Tenho medo do que sei:
Um filho de sua mãe
E seu pai,
Ou algum longínquo avó,
A quem um poeta sai.
Será também o Deus da infância
E a árvore sagrada
De frutos proibidos,
Na fragrância
Com que rasguei meus vestidos
E não retirei os ninhos...

Enchi de rosas a terra
E levo nas mãos espinhos

Afonso Duarte (

Pétala de Rosa


Pétala de Rosa

Pétala de rosa! Olha,
Do velho poeta, não rias;
Guarda-a na folha
Do livro que se lê todos os dias.

Amor, não o sacies,
Não venhas a perdê-lo;
Põe pelo sinal um fio de cabelo
Na carta que me envies.

Foges-me da vida:
E na menina dos olhos,
Achada ou perdida,
Ali sempre te encontre, de sonho vestida.

Que importa o sol tão alto,
Que dê a luz do dia?
O sonho, seja irmão da loucura,
É o que dá poesia.

Afonso Duarte 


Cantiga Dos Três Momentos

Ontem
os lírios brancos.
e nós dois no jardim.

Hoje
os bulbos dormindo,
a saudade sem fim.

Amanhã
das areias
talvez se erga uma voz:

Talvez
lírios de pedra
inda falem de nós...

Antonieta Borges Alves

DESEJOS VÃOS


DESEJOS VÃOS

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa,
A pedra do caminho rude e forte!

Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bom do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!

Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras… essas… pisa-as toda a gente! …

Florbela Espanca 

POEMA DO REGRESSO



POEMA DO REGRESSO

Quando eu voltar da terra do exílio e do silêncio,
não me tragam flores.

Tragam-me antes todos os orvalhos,
lágrimas de madrugadas que presenciam dramas.
Tragam-me a fome imensa de amor
e o queixume dos sexos túrgidos na noite constelada.
Tragam-me a noite longa de insônia
com mães chorando de braços vazios de filhos.

Quando eu voltar da terra do exílio e do silêncio,
Não, não me tragam flores...

Tragam-me apenas, isso, sim,
o último desejo dos heróis tombados ao amanhecer
com uma pedra sem asas na mão
e um fio de cólera a esgueirar-se dos olhos.

Joffre Rocha (

CANÇÃO DE ENGANAR A TRISTEZA



CANÇÃO DE ENGANAR A TRISTEZA

Se a tristeza um dia
Te encontrar triste sozinho
Trata bem dela
Porque a tristeza quer carinho
E fala sobre a beleza
Com tanta delicadeza
Por não ter nenhum carinho
Que ela só existe
Por não ter nenhum carinho
E dá-lhe um amor tão lindo
Que quando ela se for indo
Ela vá contente
De ter tido o teu carinho

Vinicius de Moraes (

POEMA DE LONGE



POEMA DE LONGE

Acendo um cigarro
e ponho-me a olhar
as casas que se elevam pela encosta…

Longe,
o Sol morre numa lagoa de sangue…

Entristeço-me.

Meus sonhos tornaram-se em nada,
minhas ambições nunca passaram de planos,
meus enlevos de amor nunca passaram de ânsias.

António Nunes 

NOSTALGIA




NOSTALGIA

Cinzento nicotina
serpenteia o meu quarto
argola o tempo que não passa

Tu não apareces
nada acontece….

O som sobe em 33 rotações
a voz sofrida de Ottis Reding
sustenta o calor de um canto soul

Emerges de uma nota de piano
por momentos bailas
na circunferência de uma bola de fumo
que se esquiva pela persiana

Fica o som dilatado do sax
a dar passagem a Ottis
a sentenciar “time is over”

Nada acontece…
Nicotino o espaço que se fecha
sobre mim sem ti.